terça-feira, 28 de outubro de 2014

Papa Francisco: estar do lado dos pobres é Evangelho, não comunismo

2014-10-28 Rádio Vaticana
Cidade do Vaticano (RV)

Terra, casa, trabalho: esses foram os três pontos fundamentais em torno dos quais desenvolveu-se o longo e articulado discurso do Papa Francisco aos participantes do Encontro Mundial dos Movimentos Populares, recebidos esta terça-feira na Sala Antiga do Sínodo, no Vaticano. O Pontífice ressaltou que é preciso revitalizar as democracias, erradicar a fome e a guerra, assegurar a dignidade a todos, sobretudo aos mais pobres e marginalizados.
Tratou-se de um veemente pronunciamento, ao mesmo tempo, de esperança e de denúncia. Um discurso que, por amplidão e profundidade, tem o valor de uma pequena encíclica de Doutrina Social. Ademais, era natural que os Movimentos Populares solicitassem este encontro com o Papa Francisco.
Efetivamente, na Argentina, como bispo e depois como cardeal, Bergoglio sempre se fez próximo das comunidades populares como as de "catadores de papel" e "camponeses". No fundo, nesta audiência retomou o fio de um compromisso jamais interrompido.
O Santo Padre evidenciou já de início, no discurso, que a solidariedade – encarnada pelos Movimentos Populares – encontra-se "enfrentando os efeitos deletérios do império do dinheiro".
O Papa observou que não se vence "o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que servem unicamente para transformar os pobres em seres domésticos e inofensivos". Quem reduz os pobres à "passividade", disse, Jesus "os chamaria de hipócritas". Em seguida, deteve-se sobre três pontos chave:
"Terra, teto, trabalho. É estranho – disse –, mas quando falo sobre estas coisas, para alguns parece que o Papa é comunista. Não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho." Portanto, acrescentou, terra, casa e trabalho são "direitos sagrados", "é a Doutrina social da Igreja".
Dirigindo-se aos "camponeses", Francisco disse que a saída deles do campo por causa "de guerras e desastres naturais" o preocupa. E acrescentou que é um crime que milhões de pessoas padeçam a fome, enquanto a "especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando esses alimentos como qualquer outra mercadoria". Daí, a exortação do Papa Francisco a continuar "a luta em prol da dignidade da família rural".
Em seguida, o Santo Padre dirigiu seu pensamento aos que são obrigados a viver sem uma casa, como experimentara também Jesus, obrigado a fugir com sua família para o Egito. Hoje, observou, vivemos em "cidades imensas que se mostram modernas, orgulhosas e vaidosas". Cidades que oferecem "numerosos lugares" para uma minoria feliz e, porém, "negam a casa a milhares de nossos vizinhos, incluindo as crianças".
Com pesar, Francisco ressaltou que "no mundo globalizado das injustiças proliferam-se os eufemismos para os quais uma pessoa que sofre a miséria se define simplesmente 'sem morada fixa'".
O Papa denunciou que muitas vezes "por trás de um eufemismo há um delito". Vivemos em cidades que constroem centros comerciais e abandonam "uma parte de si às margens, nas periferias".
Por outro lado, elogiou aquelas cidades onde se "segue uma linha de integração urbana", onde "se favorece o reconhecimento do outro". Em seguida, foi a vez de tratar da questão do trabalho:
"Não existe – ressaltou – uma pobreza material pior do que a que não permite ganhar o pão e priva da dignidade do trabalho." Em particular, Francisco citou o caso dos jovens desempregados e ressaltou que tal situação não é inevitável, mas é o resultado "de uma opção social, de um sistema econômico que coloca os benefícios antes do homem", de uma cultura que descarta o ser humano como "um bem de consumo".
Falando espontaneamente, ou seja, fora do texto, o Pontífice retomou a Exortação apostólica "Evangelii Gaudium" para denunciar mais uma vez que as crianças e os anciãos são descartados. E agora se descartam os jovens, com milhões de desempregados, disse ainda. Trata-se de um desemprego juvenil que em alguns países supera 50%, constatou. Todos, reiterou, têm direito a "uma digna remuneração e à segurança social".
Aqui, disse o Pontífice, encontram-se "catadores de papel", vendedores ambulantes, mineiros, "camponeses" aos quais são negados os direitos do trabalho, "aos quais se nega a possibilidade de sindicalizar-se". Hoje, afirmou, "desejo unir a minha voz à de vocês e acompanhá-los em sua luta".
Em seguida, Francisco ofereceu sua reflexão sobre o binômio ecologia-paz, afirmando que são questões que devem concernir a todos, "não podem ser deixadas somente nas mãos dos políticos". O Santo Padre afirmou mais uma vez que estamos vivendo a "III Guerra Mundial", em pedaços, denunciando que "existem sistemas econômicos que têm que fazer a guerra para sobreviver":
"Quanto sofrimento, quanta destruição _ disse o Papa –, quanta dor! Hoje, o grito da paz se eleva de todas as partes da terra, em todos os povos, em todo coração e nos movimentos populares: Nunca mais a guerra!"
Um sistema econômico centralizado no dinheiro – acrescentou – explora a natureza "para alimentar o ritmo frenético de consumo" e daí derivam feitos destrutivos como a mudança climática e o desmatamento. O Papa recordou que está preparando uma Encíclica sobre a ecologia assegurando que as preocupações dos Movimentos Populares estarão presentes nela. O Pontífice perguntou-se por qual motivo assistimos a todas essas situações:
"Porque – respondeu – neste sistema o homem foi expulso do centro e foi substituído por outra coisa. Porque se presta um culto idolátrico ao dinheiro, globalizou-se a indiferença." Porque, disse ainda, "o mundo esqueceu-se de Deus que é Pai e tornou-se órfão porque colocou Deus de lado".
Em seguida, o Papa exortou os Movimentos Populares a mudarem este sistema, a "construírem estruturas sociais alternativas". Francisco advertiu que é preciso fazê-lo com coragem, mas também com inteligência. Com tenacidade, porém, sem fanatismo. Com paixão, mas sem violência".
Nós cristãos, disse, temos um bonito programa: as Bem-aventuranças e o Cap. 25 do Evangelho segundo Mateus. Francisco reiterou a importância da cultura do encontro para derrotar toda discriminação e disse que é preciso uma maior coordenação dos movimentos, sem, porém, criar "estruturas rígidas":
"Os Movimentos Populares – afirmou – expressam a necessidade urgente de revitalizar nossas democracias, muitas vezes sequestradas por inúmeros fatores." É "impossível", frisou, "imaginar um futuro para uma sociedade sem a participação protagonista da grande maioria" das pessoas.
É preciso superar "o assistencialismo paternalista" para ter paz e justiça, prosseguiu, criando "novas formas de participação que incluam os movimentos populares" e "sua torrente de energia moral". O Pontífice concluiu seu discurso com um premente apelo:
"Nenhuma família sem casa. Nenhum camponês sem terra! Nenhum trabalhador sem direitos! Nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá" – disse.
Entre os participantes, no Vaticano, do encontro dos Movimentos Populares figura também o presidente da Bolívia, Evo Morales.
O diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi, explicou que, nesta ocasião, a visita do chefe de Estado boliviano não foi "organizada mediante os habituais canais diplomáticos" e que o encontro "privado e informal" no final da tarde desta terça-feira entre o Papa Francisco e o presidente deve ser considerado "uma expressão de afeto e proximidade ao povo e à Igreja boliviana e um apoio à melhoria das relações entre as Autoridades e a Igreja no país". (RL)

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

"A Criação não é fruto de uma varinha mágica, mas do amor de Deus", afirma o Papa

2014-10-27 Rádio Vaticana
Cidade do Vaticano (RV)

O Papa Francisco saudou na manhã desta segunda-feira, no Vaticano, os acadêmicos da Pontifícia Academia das Ciências, reunidos para a sua Plenária.
A presença do Pontífice se deu por ocasião da inauguração de um busto em homenagem a seu predecessor.
Bento XVI: um grande Papa”, assim o definiu Francisco. “Grande pela força e penetração da sua inteligência, grande pela sua relevante contribuição à Teologia, grande pelo seu amor pela Igreja e pelos seres humanos, grande por sua virtude e a sua religiosidade. O seu amor pela verdade não se limita à Teologia e à Filosofia, mas se abre às Ciências.
Dirigindo-se aos acadêmicos, Francisco lhes encorajou a levarem avante o progresso científico e o melhoramento das condições de vida das pessoas, especialmente dos mais pobres.
Sem entrar no mérito do tema em debate, “A evolução do conceito de natureza”, o Pontífice destacou a companhia de Deus e de Cristo na caminhada do ser humano.
Quando lemos no Gênesis o capítulo da Criação, corremos o risco de imaginar que Deus tenha agido como um mago, com uma varinha mágica capaz de criar todas as coisas. Mas não é assim”, explicou o Papa.
Deus é o Criador que dá o ser a todas as entidades. O início do mundo não é obra do caos, mas deriva de um Princípio supremo que cria por amor. O Big-Bang não contradiz a intervenção criadora, mas a exige.
Neste contexto, o homem foi criado com uma característica especial - a liberdade - e recebe a incumbência de proteger a Criação. Mas 
quando a liberdade se torna autonomia, advertiu o Papa, destrói a Criação e o homem assume o lugar do Criador. “É o pecado contra Deus Criador.”

Ao cientista, portanto, e sobretudo ao cientista cristão, corresponde a atitude de interrogar-se sobre o futuro da humanidade e da terra; de construir um mundo humano para todas as pessoas, e não para um grupo ou uma classe de privilegiados”, concluiu o Pontífice.
O físico Vanderlei Bagnato, da USP, é membro da Pontifícia Academia das Ciências e participa desta Plenária, que encerra na terça-feira, dia 28.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Santa Sé diz "não" a pressões ideológicas no combate à pobreza

2014-10-24 Rádio Vaticana
Nova Iorque (RV)

O combate à pobreza se baseia em políticas que envolvem os países em questão e não em soluções já prontas e impostas de fora, válidas para todas as situações e, talvez, não desprovidas de pressões ideológicas: foi o que afirmou o observador permanente da Santa Sé junto às Nações Unidas, em Nova Iorque, Dom Bernardito Auza, na 69ª sessão da Assembleia Geral da ONU.
Devemos colocar em discussão os modelos econômicos que aumentam a exclusão e a desigualdade – foi a advertência do prelado –, em particular, aqueles que causam um fosso social em crescimento exponencial entre os ricos – que se tornam cada vez mais ricos – e as massas marginalizadas sem trabalho, sem perspectivas e sem nenhum caminho de saída da pobreza.
Falando sobre o atual modelo de desenvolvimento, o representante vaticano ressaltou – com uma imagem – que a maré nem sempre alça todas as barcas; comumente alça somente os iates, mantém poucas barcas flutuantes, enquanto alquebra muitas e afunda o resto. Esse não é o futuro que queremos – afirmou com veemência.
Em seguida, o arcebispo denunciou a exclusão das mulheres da participação no desenvolvimento: as mulheres e as crianças – observou – constituem a maioria dos pobres e daqueles que sofrem violências no mundo.
O prelado recordou a necessidade de não equiparar a pobreza unicamente à pobreza econômica: é necessário colher a complexidade da realidade, resistindo à tentação de reduzir a eliminação da pobreza ao simples aumento da quantidade de dinheiro com a qual uma pessoa vive todos os dias.
O desenvolvimento compreende também aqueles elementos que, mesmo se por vezes intangíveis, contribuem realmente para uma maior prosperidade humana. No combate à pobreza devemos promover o autêntico desenvolvimento do homem por inteiro e de todos os povos: cada um deve dar a sua contribuição, cada um de nós pode ser beneficiado, esta é a solidariedade. (RL)

São João Paulo II é aquele que intercede e motiva as pessoas nas escolhas da vida

2014-10-24 Rádio Vaticana
Cidade do Vaticano (RV) 

Nesta semana a Igreja festeja São João Paulo II, Papa por quase 27 anos, e uma das figuras mais amadas na história recente. Um amor que cresce, inclusive, depois de 9 anos da sua morte. É o que enaltece o postulador da Causa da Canonização, Mons. Slawomir Oder, entrevistado pela Rádio Vaticano. Na quarta-feira (22), a Igreja celebrou, pela primeira vez, a memória litúrgica de São João Paulo II.

Mons. Oder – “Não escondo que, para mim, ver a página do calendário com a data de 22 de outubro é certamente um momento de grande comoção. E é uma coisa impressionante como, ainda hoje, e já há mais de nove anos da sua morte, o nome de João Paulo II suscite nos corações dos fiéis, sentimentos de gratidão, de alegria, de afeto. Nestes meses, eu tive a oportunidade de participar de várias iniciativas para lembrar de São João Paulo II e posso dizer que me comoveram em ver as igrejas cheias, a participação das pessoas que, com lágrimas nos olhos, contavam a experiência deles, o João Paulo II deles.”
Radio Vaticano – Além das análises dos teólogos, daquilo que podem escrever os vaticanistas, há um povo de Deus que continua e aumenta o seu amor por essa figura...
Mons. Oder – “Na verdade, é um fenômeno que eu já observei durante os anos do processo, recolhendo os testemunhos. Um fenômeno que encontrava a sua expressão nas palavras, que todos repetiam em refrão: ‘O nosso Papa! O nosso Papa!’. Eles diziam em polonês, diziam em italiano, e continuavam a dizer em todas as línguas do mundo. Ficou o Papa dos nossos dias, no sentido que ficou uma memória muito fresca, sempre viva: do seu sorriso, das suas palavras, da sua postura muito paterna, severa, mas também benévola, com a certeza da sua palavra, da sua doutrina e da sua proximidade às pessoas mais necessitadas de afeto e de misericórdia.”
RV – O 22 de outubro, obviamente, é ligado a três palavras que não poderão nunca ser esquecidas quando pensarmos a João Paulo II: “Não tenham medo”. De qualquer maneira, essa exortação tem uma projeção para frente, isto é, continuar a não ter medo em anunciar Cristo, mesmo se necessário dizer coisas desagradáveis para os nossos tempos...
Mons. Oder – “Esse é o papel profético da Igreja e a coragem extraordinária que João Paulo II demonstrou em todo o seu Pontificado, percebidos como força pelos seus adversários, mas, também pelo povo de Deus: colocou Cristo no centro do seu Magistério, da sua palavra, da mensagem que deixou à Igreja. Por isso, as suas palavras ‘não tenham medo’ são realmente palavras que ainda hoje inspiram tantas pessoas a fazerem escolhas que vão contra a corrente, que são escolhas proféticas.”
RV – Nestes meses, depois da Canonização, isto é, depois de 27 de Abril, o que lhe surpreendeu? Tem alguma experiência, alguma história que realmente lhe fez emocionar, entre tantas?
Mons. Oder – “Recentemente estive na Puglia, participei de um evento muito bonito – um dos tantos, nestes dias, - que ainda faz parte do ‘peregrinatio’ da relíquia de São João Paulo II, que continua percorrendo o mundo. Aquilo que me surpreendeu foi a Igreja cheia de pessoas. Depois da missa da tarde, tantas pessoas ficaram na Igreja por toda a noite: rezaram até a madrugada, até o final da missa da manhã, confiando a João Paulo II as intenções, preocupações, esperanças e alegrias. Eu penso que essa seja realmente a tarefa dos Santos e que ele esteja desenvolvendo nobremente esse seu papel: interceder, mas também motivar as pessoas para a vida. Aquelas palavras que confiei quase ao final do seu Pontificado, introduzindo a Igreja no novo milênio – ‘Duc in altum!’, lançar-se ao largo – ficaram realmente nos corações das pessoas. A santidade encoraja, a santidade contagia, a santidade atrai e realmente pode incidir sobre as escolhas concretas da nossa vida.” (AC)

Não basta vencer - Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

2014-10-24 Rádio Vaticana
Belo Horizonte (RV)

Não basta vencer as eleições do domingo, pois a verdadeira conquista é muito mais difícil de alcançar. Trata-se da vitória que é o bem do povo, particularmente dos mais pobres e sofredores, enjaulados em condições indignas de vida, privados de direitos fundamentais. Os analistas, com diferentes pontos de vista, indicam a complexidade do momento. Diante de todos está o desafio do crescimento econômico, de se atender demandas de infraestrutura e de libertação da máquina pública das garras ferozes dos que dela se apossam, nos diversos níveis, instâncias e lugares, pelo Brasil afora, incapacitando-a no atendimento de sua finalidade - o zelo e a garantia do bem comum.
Ao considerar esse horizonte de exigências e desafios, compreende-se ainda mais que a ida às urnas exige responsabilidade de cada cidadão eleitor. Uma constatação evidente, mas que merece sempre reflexões. Quando se observa a atual tendência do eleitorado na sua escolha, percebe-se o peso da interrogação no ar. Este momento eleitoral tem revelado a indecisão de muitos, a divisão equiparada das opiniões, ora para um lado, ora para outro. Talvez isso seja sinal de certo amadurecimento da democracia. Um gesto aparentemente simples, apertar teclas da urna eletrônica, revela um processo da mais alta complexidade.
A candidatura escolhida vai nortear rumos, ou desconsertá-los, no quadriênio subsequente. Discernir e fazer a escolha, algo que precede o gesto simples e rápido de teclar, é agora o grande desafio cidadão. Há uma avalanche de elementos a serem avaliados, um caminho a ser bem trilhado rumo à definição mais apropriada possível, que colabore com o desenvolvimento da sociedade brasileira. A velocidade das mudanças e o aumento das necessidades reais do povo não admitem senão inovações, busca de novas respostas e a garantia de avanços. Conquistas são possíveis, embora difíceis. Particularmente, o eleitor deve buscar quem é capaz de superar a famigerada desigualdade social que ainda rege violentamente a sociedade brasileira.
Buscar o caminho novo inclui a verificação de um check list com incontáveis tópicos. Cada cidadão tem o direito, e até o dever, de tomar conhecimento destes itens todos para viver seu discernimento e alcançar uma amadurecida escolha. Também é importante conhecê-los para exercer o direito de acompanhar a efetivação dos compromissos assumidos por quem se elegeu e, portanto, tornou-se servidor do povo. Dois aspectos, entre tantos, merecem alguma consideração neste momento decisivo. Um deles se refere à qualidade do processo de escolha. Eleitores não podem deixar-se influenciar apenas pelos resultados de pesquisas de intenção de voto, até porque elas têm revelado muitas fragilidades e limitações. Também é inadmissível aceitar que, a esta altura do terceiro milênio, ainda exista o antigo “voto de cabresto”, com os “currais eleitorais”, onde se define uma escolha pelos esquemas de dependência e se estimula a apatia em detrimento da participação popular.
Outro aspecto que agrava o cenário eleitoral é a carência de lideranças com perfis mais enriquecidos. Infelizmente, a poluição partidária, formada pelo excessivo número de legendas e, sobretudo, pela parcialidade e interesse cartorial, tem refletido na falta de pessoas qualificadas para o exercício do cargo público. Consequentemente, torna-se cada vez mais comum encontrar nas instituições públicas pessoas que não se comprometem com o bem da sociedade e com a superação do sofrimento dos mais pobres. O interesse cada vez mais hegemônico é a busca de ganhos para classes e grupos. No segundo plano, fica o gosto cidadão de representar o povo, servindo-o acima de tudo, trabalhando por suas necessidades.
A corrupção e os escândalos do uso inapropriado dos recursos do erário público emolduram a política brasileira. Essa grave crise na representatividade favorece mediocridades e, até mesmo, a escolha de quem não consegue inovar, ousar, de quem prefere a conservação que, por sua vez, alimenta o atual cenário. Diante de tantas necessidades de mudança, é certo que ao cidadão não basta apenas votar, e aos escolhidos nas urnas, não basta vencer as eleições. Há um íngreme caminho a ser percorrido.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Coreia do Norte liberta americano que deixou Bíblia em banheiro

AP

Jeffrey Fowle teria deixado uma Bíblia em um quarto de hotel
O americano Jeffrey Fowle, preso na Coréia do Norte em maio depois de deixar uma Bíblia no banheiro de um restaurante na cidade portuária de Chongjin, foi libertado na terça-feira e já retornou aos Estados Unidos.
Fowle, de 56 anos, foi preso por violar as regras de pregação religiosa do regime.
Embora haja igrejas na Coréia do Norte, elas estão todas sob controle do Estado e o regime totalitário proíbe manifestações independentes de religiosidade.
No mês passado, em entrevista à rede de TV CNN, Fowle fez um apelo por sua libertação, numa entrevista monitorada pelas autoridades norte-coreanas.
Além de admitir sua "culpa" e elogiar o tratamento recebido na prisão, ele pediu desculpas ao regime e ao povo da Coreia do Norte.
Ele foi solto após negociações do governo americano com a Coreia do Norte.
AP
Um fotógrafo da agência AP afirmou ter flagrado o que parecia ser um jato da Força Aérea dos EUA no aeroporto internacional de Pyongyang
"(Sua libertação)É uma decisão bem-vinda" afirmou o secretário de imprensa da presidência dos EUA, Josh Earnest.
No entanto, Earnest expressou preocupação com a falta de informações sobre dois outros americanos detidos por Pyongyang.
Matthew Miller foi condenado a seis anos de trabalhos forçados por cometer "atos hostis".
Kenneth Bae, missionário de origem coreana, foi condenado a 15 anos de prisão em 2013 pelo que o governo classificou como conspirações e espionagem.
Ele também está num campo de trabalhos forçados.

Fonte http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/10/141022_americano_biblia_hotel

domingo, 19 de outubro de 2014

Intensa intervenção do Papa Francisco na conclusão dos trabalhos do Sínodo dos Bispos

2014-10-19 Rádio Vaticana


Ao fim da tarde deste sábado, 18 de outubro, o Papa Francisco proferiu um discurso por ocasião do encerramento do Sínodo Extraordinário dos Bispos para a Família. Eis o texto integral:
Eminências, Beatitudes, Excelências, irmãos e irmãs,
Com um coração pleno de reconhecimento e de gratidão, gostaria de agradecer, junto a vós, ao Senhor que nos acompanhou e nos guiou nos dias passados, com a luz do Espírito Santo!
Agradeço de coração o Cardeal Lorenzo Baldisseri, Secretário Geral do Sínodo, Dom Fabio Fabene, Sub-Secretário, e com eles agradeço o Relator, o Cardeal Peter Erdö que trabalhou tanto, mesmo nos dias de luto familiar, e o Secretário Especial, Dom Bruno Forte, os três Presidentes delegados, os escritores, os consultores, os tradutores e os anônimos, todos aqueles que trabalharam com verdadeira fidelidade nos bastidores e com total dedicação à Igreja, sem parar: muito obrigado de coração!
Agradeço igualmente a todos vocês, Padres Sinodais, Delegados Fraternos, Ouvintes e Assessores para vossa participação ativa e frutuosa. Levarei vocês na oração, pedindo ao Senhor para recompensar-vos com a abundância da graça dos seus dons!
Eu poderia tranquilamente dizer que – com um espírito de colegialidade e de sinodalidade – vivemos realmente uma experiência de “Sínodo”, um percurso solidário, um “caminho juntos”.
E tendo sido “um caminho” – e como em todo caminho -, houve momentos de corrida veloz, quase correndo contra o tempo prá chegar logo à meta; em outros, momentos de cansaço, quase querendo dizer basta; outros momentos de entusiasmo e de ardor. Houve momentos de profunda consolação, ouvindo os testemunhos dos pastores verdadeiros (cf. João 10 e Cann. 375, 386, 387) que levam no coração sabiamente as alegrias e as lágrimas dos seus fieis. Momentos de consolação e graça e de conforto escutando os testemunhos das famílias que participaram do Sínodo e partilharam conosco a beleza e a alegria de sua vida matrimonial. Um caminho onde o mais forte sentiu o dever de ajudar o mais fraco, onde o mais esperto se apressou em servir os outros, mesmo por meio dos debates. E sendo um caminho de homens, com as consolações houve também outros momentos de desolação, de tensão e de tentações, das quais se poderiam mencionar algumas possibilidades:
- Uma: a tentação de enrijecimento hostil, isto é, de querer fechar-se dentro do escrito (a letra) e não deixar-se surpreender por Deus, pelo Deus das surpresas (o espírito); dentro da lei, dentro da certeza daquilo que conhecemos e não daquilo que devemos ainda aprender e atingir. Desde o tempo de Jesus, é a tentação dos zelosos, dos escrupulosos, dos cuidadosos e dos assim chamados – hoje – “tradicionalistas” e também dos “intelectualistas”.
- A tentação do “bonismo” destrutivo, que em nome de uma misericórdia enganadora, enfaixa as feridas sem antes curá-las e medicá-las; que trata os sintomas contra os pecadores, os fracos, os doentes (cf. Jo 8,7), isto é, transformá-los em “fardos insuportáveis” (Lc 10,27).
- A tentação de descer da cruz, para acontentar as pessoas, e não permanecer ali, para realizar a vontade do Pai; de submeter-se ao espírito mundano ao invés de purificá-lo e submeter-se ao Espírito de Deus.
- A tentação de negligenciar o “depositum fidei”, considerando-se não custódios, mas proprietários ou donos ou, por outro lado, a tentação de negligenciar a realidade utilizando uma língua minuciosa e uma linguagem “alisadora” (polida) para dizer tantas coisas e não dizer nada”. Os chamavam “bizantinismos”, acho, estas coisas...
Queridos irmãos e irmãs, as tentações não devem nem nos assustar nem desconcertar e muito menos desencorajar, porque nenhum discípulo é maior do que seu mestre; portanto se Jesus foi tentado – ate mesmo chamado de Belzebu (cf. MT 12, 24) – os seus discípulos não devem esperar um tratamento melhor.
Pessoalmente, ficaria muito preocupado e triste se não houvesse estas tentações e estas discussões animadas; este movimento dos espíritos, como chamava Santo Inácio (EE, 6), se tudo tivesse sido de acordo ou taciturno em uma falsa e ‘quietista’ paz. Ao contrário, vi e escutei – com alegria e reconhecimento – discursos e pronunciamentos plenos de fé, de zelo pastoral e doutrinal, de sabedoria, de franqueza, de coragem: e de parresia. E senti que foi colocado diante dos próprios olhos o bem da Igreja, das famílias e a “suprema Lex”, a “salus animarum” (cf. Can. 1752). E isto sempre – o dissemos aqui, na Sala – sem colocar nunca em discussão as verdades fundamentais do Sacramento do Matrimônio: a indissolubilidade, a unidade, a fidelidade e a ‘procriatividade’, ou seja, a abertura à vida (cf. Cann. 1055, 1056 e Gaudium et Spes 48).
E esta é a Igreja, a vinha do Senhor, a Mãe fértil e a Mestra atenciosa, que não tem medo de arregaçar as mangas para derramar o óleo e o vinho nas feridas dos homens (cf. Lc 10, 25-37); que não olha a humanidade de um castelo de vidro para julgar ou classificar as pessoas. Esta é a Igreja Una, Santa, Católica, Apostólica e formada por pecadores, necessitados da Sua misericórdia. Esta é a igreja, a verdadeira esposa de Cristo, que procura ser fiel ao seu Esposo e à sua doutrina. É a Igreja que não tem medo de comer e beber com as prostitutas (cf. Lc 15). A Igreja que tem as portas escancaradas para receber os necessitados, os arrependidos e não somente os justos ou aqueles que acreditam ser perfeitos! A Igreja que não se envergonha do irmão caído e não faz de conta de não vê-lo, ao contrário, se sente envolvida e quase obrigada a levantá-lo e a encorajá-lo e retomar o caminho e o acompanha para o encontro definitivo, com o seu Esposo, na Jerusalém celeste.
Esta é a Igreja, a nossa mãe! E quando a Igreja, na variedade dos seus carismas, se expressa em comunhão, não pode errar: é a beleza e a força do sensus fidei, daquele sentido sobrenatural da fé, que é doado pelo Espírito Santo para que, juntos, possamos todos entrar no coração do Evangelho e aprender a seguir Jesus na nossa vida, e isto não deve ser visto como motivo de confusão e de mal-estar.
Tantos comentaristas, ou pessoas que falam, imaginaram ver uma Igreja em atrito, onde uma parte está contra a outra, duvidando até mesmo do Espírito Santo, o verdadeiro promotor e garante da unidade e da harmonia na Igreja. O Espírito Santo que ao longo da história sempre conduziu a barca através dos seus Ministros, mesmo quando o mar era contrário e agitado e os Ministros infiéis e pecadores.
E, como ousei dizer isto a vocês no início do Sínodo, era necessário viver tudo isto com tranqüilidade, com paz interior, mesmo porque o Sínodo se desenvolve cum Petro et sub Petro, e a presença do Papa é garantia para todos.
Falemos um pouco do Papa, agora, na relação com os bispos (risos). Assim, a missão do Papa é a de garantir a unidade da Igreja; é o de recordar aos fiéis o seu dever em seguir fielmente o Evangelho de Cristo; é o de recordar aos pastores que o seu primeiro dever é o de nutrir o rebanho – nutrir o rebanho – que o Senhor confiou a eles e de buscar acolhê-lo – com paternidade e misericórdia e sem falso medo – as ovelhas perdidas. Errei aqui. Disse acolher: ir buscá-las.
A sua missão é a de recordar a todos que a autoridade na Igreja é serviço (Cf. Mc 9, 33-35) como explicou com clareza Papa Bento XVI, com palavras que cito textualmente: “A Igreja é chamada e se esforça em exercer este tipo de autoridade que é serviço, e o exerce não em nome próprio, mas em nome de Jesus Cristo... através ods Pastores da Igreja, de fato, Cristo apascenta o seu rebanho: é Ele que o guia, o protege, o corrige, porque o ama profundamente. Mas o Senhor Jesus, Pastor Supremo das nossas almas, quis que o Colégio Apostólico, hoje os Bispos, em comunhão com o sucessor de Pedro... participassem desta missão de cuidar do Povo de Deus, de serem educadores na fé, orientando, animando e apoiando a comunidade cristã, ou, como diz o Concílio, “cuidando, sobretudo que cada fiel seja guiado no Espírito Santo a viver segundo o Evangelho a própria vocação, a praticar uma caridade sincera e ativa e a exercitar aquela liberdade com que Cristo nos libertou “ (Presbyterorum Ordinis, 6) ... é através de nós – continua o Papa Bento – que o Senhor atinge as almas, as instrui, as protege, as guia. Santo Agostinho, no seu Comentário ao Evangelho de São João diz: “Seja, portanto, esforço de amor apascentar o rebanho do Senhor” (123,5); esta é a suprema norma de conduta dos ministros de Deus, um amor incondicional, como aquele do Bom Pastor, pleno de alegria, aberto a todos, atento aos próximos e atencioso aos distantes (cf. Santo Agostinho, Discurso 340; Discurso 46, 15), delicado para com os mais fracos, os pequenos, os simples, os pecadores, para manifestar a infinita misericórdia de Deus com as palavras encorajadoras da esperança”. (Bento XVI, Audiência Geral, Quarta-feira, 26 de maio de 2010). Fim da citação.
Portanto, a Igreja é de Cristo – é a sua esposa – e todos os bispos, em comunhão com o Sucessor de Pedro, têm a missão e o dever de custodiá-la e de servi-la, não como donos, mas como servidores. O Papa, neste contexto, não é o senhor supremo, mas sim um supremo servidor – o “servus servorum Dei”; o garante da obediência e da conformidade da Igreja à vontade de Deus, ao Evangelho de Cristo e à Tradição da Igreja, deixando de lado todo arbítrio pessoal, mesmo sendo – por vontade do próprio Cristo – o “Pastor e Doutor supremo de todos os fiéis” (Can. 749) enquanto gozando “da potestade ordinária que é suprema, é plena, imediata e universal na Igreja” (cf. Cann. 331-334).
Queridos irmãos e irmãs, agora temos ainda um ano para amadurecer, com verdadeiro discernimento espiritual, as idéias propostas e encontrar soluções concretas às tantas dificuldades e inumeráveis desafios que as famílias devem enfrentar; dar respostas aos tantos desencorajamentos que circundam e sufocam as famílias.
Um ano para trabalhar na “Relatio synodi” que é o resumo fiel e claro de tudo aquilo que foi dito e discutido nesta sala e nos círculos menores. E é apresentado às Conferências episcopais como “Lineamenta”.
Que o senhor nos acompanhe e nos guie neste caminho, pela gloria do seu nome, com a intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria e de São José! E por favor, não esqueçam de rezar por mim! Obrigado.

sábado, 18 de outubro de 2014

Sínodo: os desafios pastorais da família no contexto da evangelização – uma síntese dos trabalhos

2014-10-18 Rádio Vaticana

O Sínodo Extraordinário dos Bispos sobre os desafios pastorais da família no contexto da evangelização, começou no domingo dia 5 de outubro com uma Solene Eucaristia na Basílica de S. Pedro. Na sua homilia o Papa Francisco, referindo-se ao Sínodo, deixou claro o que deve ser uma assembleia sinodal:
“As assembleias sinodais não servem para discutir ideias bonitas e originais, nem para ver quem é mais inteligente… Servem para cultivar e guardar melhor a vinha do Senhor, para cooperar no seu sonho, no seu projeto de amor a respeito do seu povo. “
Na segunda-feira, dia 6 de outubro, no início da primeira assembleia do Sínodo sobre a família, o Papa Francisco falou aos padres sinodais e considerou ser este encontro uma grande responsabilidade que nos obriga a “falar claro” “com frontalidade evangélica” e o “coração aberto”.
Por isso, peço-vos, por favor, estas duas atitudes de irmãos no Senhor: falar com parresia – clareza e coragem evangélicas – e escutar com humildade. Fazei-o com muita tranquilidade e paz, porque o Sínodo decorre sempre cum Petro et sub Petro e a presença do Pai é garantia para todos e custódia da fé. Caros irmãos, colaboremos todos para que se afirme com clareza a dinâmica da sinodalidade.

Após a intervenção do Santo Padre coube ao relator-geral do Sínodo, o Cardeal Peter Erdo, a missão de descrever o panorama de início do Sínodo tendo como base o Instrumento de Trabalho apresentado. E forneceu, desde logo, o método do trabalho sinodal:
“Devemos, pois, recordar que a assembleia extraordinária de 2014 é a primeira etapa de um caminho eclesial que desaguará na assembleia ordinária de 2015. Daí deriva que a linguagem e as indicações devem ser tais que promovam o aprofundamento teológico mais nobre, para escutar com a máxima atenção a mensagem do Senhor, encorajando, ao mesmo tempo, a participação e a escuta da comunidade dos fieis” – disse o Cardeal.
Segundo o cardeal Erdo, na família existem situações pastorais difíceis que são “uma verdadeira urgência pastoral”. Logo na primeira congregação da assembleia sinodal houve dezenas de intervenções – como afirmou o Padre Lombardi, Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, em conferência de imprensa repetindo a exigência que muitos bispos fizeram acerca de uma renovação da linguagem do anúncio do Evangelho:
“Diversas intervenções têm que ver com a atenção à linguagem que a Igreja deve usar para responder e fazer-se entender. Um outro grande núcleo, à volta do qual rodaram várias intervenções é aquele do respeito da gradualidade: ou seja, o facto de que há um caminho, através do qual os crentes cristãos se aproximam àquele que é o ideal da família cristã e do matrimónio cristão na apresentação do Magistério da Igreja.”
O Padre Federico Lombardi, Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, no seu briefing diário partilhou com os jornalistas uma imagem verbal que foi apresentada no terceiro dia de trabalhos:
“ Falou-se da Luz que a Igreja traz ao mundo … não tanto como um farol mas como uma vela acesa, uma tocha que acompanha o povo em caminho”
A fé não é aderir a conteúdos – sublinhou o Padre Lombardi – mas uma adesão, um encontro com Cristo.
“A crise das famílias na Igreja e também a crise das famílias cristãs na sociedade está muito ligada à crise geral da fé neste tempo. Foi notado como é preciso estar atentos em recordar que a fé não é aderir só a conteúdos, a ensinamentos, mas a fé é, antes de mais, uma adesão pessoal a Cristo, uma escolha por Cristo, um encontro com Cristo, uma aliança com Ele.”
Duas linhas de reflexão emergiram dos debates acerca dos divorciados recasados. Uma acentua a doutrina a outra a aproximação pastoral através da misericórdia. Segundo o padre Lombardi foram mesmo apresentadas propostas concretas de organização dos serviços diocesanos para tratar este assunto:
“Houve também propostas bastante concretas de organização de gabinetes diocesanos que enfrentem a temática sob a direção do bispo. Ao mesmo tempo, também sobre esta temática insiste-se sobre a atenção às exigências da verdade e da justiça, para não chegar a uma espécie de divórcio católico e, portanto, inserir e reconhecer a importância também do processo e dos procedimentos canónicos, numa pastoral conjunta de verdadeira atenção ao bem do povo de Deus e das pessoas.”
Dos testemunhos apresentados, destaque para aquele que falou em português: o casal Artur e Ermelinda, unidos em matrimónio há 41 anos e coordenadores das Equipas de Nossa Senhora no Brasil.Este casal brasileiro falou da sexualidade do casal afirmando que é preciso saber cultivar o desejo e até mesmo um erotismo sadio. Segundo eles o controlo da natalidade através dos métodos naturais teoricamente é bom; porém, na cultura atual parece a este casal carecer de praticidade.
O casal Artur e Ermelinda concluiu o seu testemunho considerando que é importante responder “às exigências do mundo atual” sem “ferir o essencial da moral católica”.Sobre os divorciados recasados, o padre Federico Lombardi, informou os jornalistas sobre um modelo apresentado por um padre sinodal de novos percursos de acolhimento. Intimamente ligado a este argumento está o aspeto sacramental ligado à possibilidade de aproximação à Eucaristia. Sobre este ponto o padre Lombardi recordou uma observação muito importante:
“É aquela que aconteceu com aquilo que tinha feito S. Pio X no seu tempo admitindo as crianças à Eucaristia: tinha sido considerado extremamente revolucionário, extremamente inovador no seu tempo. Portanto, existem também exemplos de coragem da parte de um Papa – mesmo sendo uma situação muito diferente daquela em que estamos – no refletir ou no introduzir novidades no que diz respeito às condições de acesso à Eucaristia.”
A segunda semana do Sínodo sobre a família começou com a “Relatio post disceptationem” – o Cardeal Peter Erdo, relator-geral do Sínodo, apresentou em 58 pontos os principais contributos propostos nas reflexões da primeira semana. Ideia principal a reter a necessidade de fazer escolhas pastorais corajosas na ação da Igreja junto das famílias, nomeadamente naquelas onde aconteceram separações ou mesmo divórcios. O documento desenvolve-se em três ideias-chave: escutar o contexto socio-cultural em que vivem as famílias hoje; olhar para Cristo e para o seu Evangelho da família e confrontar-se sobre as prospetivas pastorais a iniciar.
“ Torna-se necessário um discernimento espiritual, no que diz respeito às convivências, aos matrimónios civis e aos divorciados recasados, compete à Igreja reconhecer aquelas sementes do Verbo espalhadas para além dos seus confins visíveis e sacramentais. (...) A Igreja dirige-se com respeito àqueles que participam na sua vida em modo incompleto e imperfeito, apreciando mais os valores positivos que conservam do que os limites e as faltas.”
“Evangelizar é responsabilidade partilhada por todo o povo de Deus, cada uma segundo o próprio ministério e carisma. Sem o testemunho alegre dos cônjuges e das famílias, o anúncio, mesmo que correto, arrisca-se a ser incompreendido ou de se afogar no mar de palavras que caracteriza a nossa sociedade. As famílias católicas são chamadas a ser elas próprias os sujeitos ativos de toda a pastoral familiar.”
Após a primeira semana do Sínodo os trabalhos passaram para um ritmo de pequenos grupos, os chamados “círculos menores” cujos relatórios foram apresentados na quinta-feira dia 16 de outubro em Assembleia Geral com sugestões concretas relativas ao texto do relatório após o debate.
Uma das sugestões é a de ser dado maior realce à mensagem positiva do Evangelho da família, sem olhar apenas para as preocupações das famílias em crise. Outro ponto diz que é necessário dar maior atenção à presença de idosos no interior dos núcleos familiares e às famílias que vivem em condições de extrema pobreza. É também sublinhado o papel essencial das famílias na evangelização e na transmissão da fé.Em relação à aproximação dos divorciados recasados ao sacramento da Eucaristia foram expressos dois tipos de reflexão: de um lado quem sugere que a doutrina não seja modificada, do outro lado quem sugere que se abra a possibilidade de comunhão numa ótica de compaixão e misericórdia em determinadas condições.
Os “círculos menores” aconselharam ainda uma reflexão mais ampla sobre a figura de Maria e da Sagrada Família, propondo-a melhor como modelo de referência para todos os núcleos familiares. Entretanto, em conferência de imprensa o cardeal austríaco D. Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, salientou que o Sínodo dos Bispos sobre a família tem procurado “acompanhar” a história das pessoas no momento atual, seguindo as indicações do Papa Francisco:
“Penso que, para além de tantas questões morais, devemos ver o papel positivo, fundamentalmente positivo da família. Penso que o Papa nos tenha convidado a ver o tema da família não para ver tudo o que não funciona na família (…) mas para mostrar antes de mais a beleza e a necessidade vital da família. Por isso convidou-nos a ter um olhar atento à realidade.”
O cardeal Schönborn afirmou que neste Sínodo havia dois ritmos: aqueles que dizem para termos atenção com a doutrina e os que dizem: não tenhais medo:
“Se alguns padres do Sínodo dizem: “Atenção, não podemos esquecer a doutrina”; do outro lado existe a necessidade do acompanhamento de tantas situações das quais o Papa fala de hospital de campanha. Acontece muitas vezes que numa família a mãe diga: ‘É demasiado perigoso’ e que o pai diga: ‘Não, não tenhas medo’. Estamos numa grande família. Assim uns dizem: ‘Atenção! Têm razão, é perigoso!’; e os outros dizem: ‘Não tenhais medo!’. “
O Sínodo dos Bispos sobre a família tem encontro marcado para o próximo mês de outubro de 2015. Até lá continuarão nas dioceses as reflexões, os aprofundamentos e a participação das famílias e dos fiéis sobre os desafios pastorais da família no contexto da evangelização. (RS)

Publicada hoje a Mensagem final do Sínodo dos Bispos sobre a Família

2014-10-18 Rádio Vaticana


Os Padres Sinodais aprovaram, no decorrer da 14ª Congregação Geral na manhã deste sábado, a mensagem final da III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos sobre o tema “Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização”. O documento conclusivo do Sínodo - Relatio Synodi - será divulgado posteriormente enquanto o documento final será provavelmente publicado na forma de uma Exortação Apostólica pós-sinodal do Papa Francisco, em 2015, após o Sínodo Ordinário.
Segue em baixo a mensagem na íntegra:
Nós, Padres Sinodais reunidos em Roma junto ao Santo Padre na Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, nos dirigimos a todas as famílias dos diversos continentes e, em particular, àquelas que seguem Cristo Caminho, Verdade e Vida. Manifestamos a nossa admiração e gratidão pelo testemunho cotidiano que vocês oferecem a nós e ao mundo com a sua fidelidade, fé, esperança e amor.
Também nós, pastores da Igreja, nascemos e crescemos em uma família com as mais diversas histórias e acontecimentos. Como sacerdotes e bispos, encontramos e vivemos ao lado de famílias que nos narraram em palavras e nos mostraram em atos uma longa série de esplendores mas também de cansaços.
A própria preparação desta assembleia sinodal, a partir das respostas ao questionário enviado às Igrejas do mundo inteiro, nos permitiu escutar a voz de tantas experiências familiares. O nosso diálogo nos dias do Sínodo nos enriqueceu reciprocamente, ajudando-nos a olhar toda a realidade viva e complexa em que as famílias vivem. A vocês, apresentamos as palavras de Cristo: "Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo” (Ap 3,20). Como costumava fazer durante os seus percursos ao longo das estradas da Terra Santa, entrando nas casas dos povoados, Jesus continua a passar também hoje pelos caminhos das nossas cidades. Nas vossas casas se experimentam luzes e sombras, desafios exaltantes mas, às vezes, também provações dramáticas. A escuridão se faz ainda mais densa até se tornar trevas, quando se insinuam no coração da família o mal e o pecado.
Existe, antes de tudo, os grandes desafios da fidelidade no amor conjugal, do enfraquecimento da fé e dos valores, do individualismo, do empobrecimento das relações, do stress, de um alvoroço que ignora a reflexão, que também marcam a vida familiar. Se assiste, assim, a não poucas crises matrimoniais enfrentadas, frequentemente, em modo apressado e sem a coragem da paciência, da verificação, do perdão recíproco, da reconciliação e também do sacrifício. Os fracassos dão, assim, origem a novas relações, novos casais, novas uniões e novos matrimônios, criando situações familiares complexas e problemáticas para a escolha cristã.
Entre estes desafios queremos evocar também o cansaço da própria existência. Pensemos ao sofrimento que pode aparecer em um filho portador de deficiência, em uma doença grave, na degeneração neurológica da velhice, na morte de uma pessoa querida. É admirável a fidelidade generosa de muitas famílias que vivem estas provações com coragem, fé e amor, considerando-as não como alguma coisa que é arrancada ou infligida, mas como alguma coisa que é doada a eles e que eles doam, vendo Cristo sofredor naquelas carnes doentes.
Pensemos às dificuldades econômicas causadas por sistemas perversos, pelo “fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano” (Evangelii Gaudium 55), que humilha a dignidade das pessoas. Pensemos ao pai ou à mãe desempregados, impotentes diante das necessidades também primárias de suas famílias, e aos jovens que se encontram diante de dias vazios e sem expectativas, e que podem tornar-se presa dos desvios na droga e na criminalidade.
Pensemos também na multidão das famílias pobres, àquelas que se agarram em um barco para atingir uma meta de sobrevivência, às famílias refugiadas que sem esperança migram nos desertos, àquelas perseguidas simplesmente pela sua fé e pelos seus valores espirituais e humanos, àquelas atingidas pela brutalidade das guerras e das opressões. Pensemos também às mulheres que sofrem violência e são submetidas à exploração, ao tráfico de pessoas, às crianças e jovens vítimas de abusos até mesmo por parte daqueles que deveriam protegê-las e fazê-las crescer na confiança e aos membros de tantas famílias humilhadas e em dificuldade. “A cultura do bem-estar anestesia-nos e (...) todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma” (Evangelii Gaudium, 54). Fazemos apelo aos governos e às organizações internacionais para promoverem os direitos da família para o bem comum.
Cristo quis que a sua Igreja fosse uma casa com a porta sempre aberta na acolhida, sem excluir ninguém. Somos, por isso, agradecidos aos pastores, fiéis e comunidades prontos a acompanhar e a assumir as dilacerações interiores e sociais dos casais e das famílias.
Existe, contudo, também a luz que de noite resplandece atrás das janelas nas casas das cidades, nas modestas residências de periferia ou nos povoados e até mesmos nas cabanas: ela brilha e aquece os corpos e almas. Esta luz, na vida nupcial dos cônjuges, se acende com o encontro: é um dom, uma graça que se expressa – como diz o Livro do Gênesis (2,18) – quando os dois vultos estão um diante o outro, em uma “ajuda correspondente”, isto é, igual e recíproca. O amor do homem e da mulher nos ensina que cada um dos dois tem necessidade do outro para ser si mesmo, mesmo permanecendo diferente ao outro na sua identidade, que se abre e se revela no dom mútuo. É isto que manifesta em modo sugestivo a mulher do Cântico dos Cânticos: “O meu amado é para mim e eu sou sua...eu sou do meu amado e meu amado é meu”, (Cnt 2,16; 6,3).
Para que este encontro seja autêntico, o itinerário inicia com o noivado, tempo de espera e de preparação. Realiza-se em plenitude no Sacramento onde Deus coloca o seu selo, a sua presença e a sua graça. Este caminho conhece também a sexualidade, a ternura, e a beleza, que perduram também além do vigor e do frescor juvenil. O amor tende pela sua natureza ser para sempre, até dar a vida pela pessoa que se ama (cf. João 15,13). Nesta luz, o amor conjugal único e indissolúvel persiste, apesar das tantas dificuldades do limite humano; é um dos milagres mais belos, embora seja também o mais comum.
Este amor se difunde por meio da fecundidade e do ‘gerativismo’, que não é somente procriação, mas também dom da vida divina no Batismo, educação e catequese dos filhos. É também capacidade de oferecer vida, afeto, valores, uma experiência possível também a quem não pode gerar. As famílias que vivem esta aventura luminosa tornam-se um testemunho para todos, em particular para os jovens.
Durante este caminho, que às vezes é um percurso instável, com cansaços e caídas, se tem sempre a presença e o acompanhamento de Deus. A família de Deus experimenta isto no afeto e no diálogo entre marido e mulher, entre pais e filhos, entre irmãos e irmãs. Depois vive isto ao escutar juntos a Palavra de Deus e na oração comum, um pequeno oásis do espírito a ser criado em qualquer momento a cada dia. Existem, portanto, o empenho cotidiano na educação à fé e à vida boa e bonita do Evangelho, à santidade. Esta tarefa é, frequentemente, partilhada e exercida com grande afeto e dedicação também pelos avôs e avós. Assim, a família se apresenta como autêntica Igreja doméstica, que se alarga à família das famílias que é a comunidade eclesial. Os cônjuges cristãos são, após, chamados a tornarem-se mestres na fé e no amor também para os jovens casais.
O vértice que reúne e sintetiza todos os elos da comunhão com Deus e com o próximo é a Eucaristia dominical quando, com toda a Igreja, a família se senta à mesa com o Senhor. Ele se doa a todos nós, peregrinos na história em direção à meta do encontro último quando “Cristo será tudo em todos” (Col 3,11). Por isto, na primeira etapa do nosso caminho sinodal, refletimos sobre o acompanhamento pastoral e sobre o acesso aos sacramentos pelos divorciados recasados.
Nós, Padres Sinodais, vos pedimos para caminhar conosco em direção ao próximo Sínodo. Em vocês se confirma a presença da família de Jesus, Maria e José na sua modesta casa. Também nós, unindo-nos à Família de Nazaré, elevamos ao Pai de todos a nossa invocação pelas famílias da terra:
Senhor, doa a todas as famílias a presença de esposos fortes e sábios,
que sejam vertente de uma família livre e unida.
Senhor, doa aos pais a possibilidade de ter uma casa onde viver em paz com a família.
Senhor, doa aos filhos a possibilidade de serem signo de confiança e aos jovens a coragem do compromisso estável e fiel.
Senhor, doa a todos a possibilidade de ganhar o pão com as suas próprias mãos, de provar a serenidade do espírito e de manter viva a chama da fé mesmo na escuridão.
Senhor, doa a todos a possibilidade de ver florescer uma Igreja sempre mais fiel e credível, uma cidade justa e humana, um mundo que ame a verdade, a justiça e a misericórdia.
O Cardeal Raymundo Damasceno de Assis, um dos relatores-presidente do Sínodo, comentou a redação da mensagem final durante uma coletiva de imprensa no final da manhã deste sábado, na Sala de Imprensa da Santa Sé. ------
Com o Programa Brasileiro da nossa Emissora

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